Os vencedores da 15ª edição do Santa Maria Vídeo e Cinema (SMVC) serão conhecidos nesta quarta-feira, 30 de novembro, no Centro de Convenções (CC) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Antes disso, a partir das 19h, está prevista a exibição de uma raridade local que quase foi esquecida. Trata-se do curta rodado em Santa Maria em 1974, O Velório de Vicente Silveira, do produtor, roteirista e diretor paranaense Modesto Wielewicki, que faleceu em 2012.
Em junho de 2012, poucos meses antes da morte de Modesto, ao realizar uma pesquisa sobre a produção nessa bitola na cidade, a jornalista e especialista em cinema Marilice Daronco conversou com Modesto sobre a produção. A jornalista recorda detalhes e revela curiosidades sobre o filme.
“Vicente Silveira” nunca esteve morto
Marilice Daronco
Existem muitas maneiras de um filme morrer. Sem dúvida, no que diz respeito à produção em Super-8, uma bitola amadora que garantiu a realização cinematográfica na cidade nos anos de 1960 e 1970, a deterioração ou perda dos cartuchos ou rolos é uma das principais. Durante décadas, sem que soubesse que esses filmes eram verdadeiras preciosidades, eles foram expostos à poeira, ao zinabre e a um dos maiores perigos que um filme corre: o esquecimento.Quem trabalha com pesquisas sobre os filmes pioneiros, infelizmente, volta e meia assiste a essas mortes anunciadas de mãos amarradas, afinal, a maioria desses filmes não tinha cópia e as condições de armazenamento são precárias. Isso sem contar que o Super-8 não é um material de muita durabilidade.
Felizmente, a história que vou contar aqui é a de um resistente. Um dos filmes mais emblemáticos da geração superoitista de Santa Maria, O Velório de Vicente Silveira (1974) foi digitalizado e, ao completar 48 anos, será exibido nesta quarta-feira, 30 de novembro, no Centro de Convenções da UFSM, na abertura do Santa Maria Vídeo e Cinema, às 19h.
O filme teve como produtor, roteirista e diretor o paranaense Modesto Wielewicki, que faleceu em 2012. Modesto era um professor de inglês apaixonado pela imagem, e na época em que residiu em Santa Maria, graças a uma parceria com amigos como Luiz Carlos Grassi, realizou o filme que foi exibido pela primeira vez no I Festival Regional do Filme Super-8, em Santa Maria em 1975. Na época, foi premiado como o de melhor direção no festival que foi o primeiro específico para essa bitola no Estado e um dos primeiros do país.
Coube ao próprio Grassi a tarefa de descobrir que, ao contrário do que se chegou a pensar, o filme ainda existia. Um pouco castigado pela ação do tempo, a produção é um sobrevivente, inclusive à ação da maresia, já que Modesto chegou a morar perto da praia. Depois de um processo de digitalização em Campinas, após quase cinco décadas sem ser exibido, o filme ganhará o telão essa noite. A ocasião não poderia ser melhor, afinal, marca os vinte anos do SMVC.
Em junho de 2012, poucos meses antes da morte de Modesto, ao realizar uma pesquisa sobre a produção nessa bitola na cidade, tive a oportunidade de entrevistar o realizador sobre o filme. Era evidente a animação dele com o que tinham produzido. Na entrevista, ele contou que o roteiro foi adaptado por de um romance inglês da escritora Willa Carther’s chamado The Sculptor Funeral.– Nós fomos para o distrito de Arroio do Só, conseguimos carroção, caixão de defunto, e cada um fez a sua roupa. Era uma dúzia de pessoas mais ou menos. A gente se organizava em caravanas – contou Modesto na época.
O que não falta no filme são curiosidades. No elenco, havia um nome importante devido à sua popularidade naquela época, era o cantor Ivory Gomes de Mello, mais conhecido como Cerejinha. Além disso, Modesto foi à TV Imembuí e colocou anúncios, convidando para a seleção de elenco, o que não faltou foram candidatos.
Muitos não perceberam que era um filme
A trama, que foi filmada por Paulo Roberto Pithan, traz a história de um intelectual, nascido em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, que morre no Rio de Janeiro. O corpo chega de trem para o enterro. Os dois atores principais do filme foram Grassi, que interpreta um amigo do morto, que acompanha o corpo desde o Rio de Janeiro, e Clenio Faccin, um advogado. O próprio Modesto interpretou o morto. Quando o caixão chega, começa um clima de fofoca, especulando que o falecido, por ser artista, era homossexual. Modesto comentou na época que o roteiro explorava a forma como um artista que colocou a pequena cidade no mapa, ao invés de ser reverenciado, virava motivo de fofoca por sua orientação sexual.
As locações do filme foram divididas entre o centro de Santa Maria, onde uma empresa emprestou uma casa que estava sendo demolida, e o distrito de Arroio do Só. As gravações duraram cerca de um mês porque elas eram feitas em turno alternado com o trabalho dos integrantes da equipe, que não viviam do cinema. O grupo de amigos que realizou o filme conseguiu a façanha até de parar um trem para gravar uma das cenas. Muitas pessoas que passavam pelos locais de gravação acreditavam que se tratava de um velório de verdade.
– Tinha uma cena que o caixão passava na rua, e foram abrir a igreja correndo, achando que iríamos levar um morto para lá. Perguntavam quem era o morto – recordou Modesto aos risos.
Modesto lembrava do filme com detalhes: “a abertura é linda. Aparece um dia cinzento e o pessoal na estação ferroviária, esperando para levar o caixão”. Assim como o filme fez parte do imaginário da cidade, que não podia assisti-lo, também passou a fazer parte do meu ao longo de mais de uma década de pesquisas, por isso, este ano, quando tive a oportunidade de segurar o rolo nas mãos pela primeira vez para que a Fundação Eny o encaminhasse para digitalização e, um mês depois de assistir ao filme, foi impossível conter a emoção. Era como ouvir as falas de Modesto, de Clênio, que faleceu este ano, e de Grassi, ganharem vida na tela do computador.
A promessa é de emoções fortes para quem é apaixonado pelo cinema local. Por mais que algumas partes do filme tenham sofrido pequenos danos, essa é uma história com final feliz: O velório de Vicente Silveira nunca esteve morto!
Agende-se
O quê? – Exibição do curta “O Velório de Vicente Silveira” no Santa Maria Vídeo e Cinema
Quando – 30 de novembro, quarta-feira, às 19h
Onde – Centro de Convenções da UFSM
Quanto – De graça
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